Pontes de Amor faz 10 anos!

Sofia e Luíza estavam vivendo um sonho.  Apesar de serem HIV Positivas, duas irmãs negras com 7 e 5 anos de idade, seriam adotadas na mesma semana em que as nossas filhas gêmeas, enfim, viriam para o nosso lar.  Festa… Alegria… O sonho de ter uma família sendo realizado.  Após alguns meses que nossas filhas estavam conosco as levamos para visitar o abrigo onde moravam.  Queriam rever as “tias”, os amigos, a madrinha, e contar para eles sobre a nova casa, a nova família, a nova vida.  Chegamos em um sábado de festa na instituição, que estava cheia de brinquedos, comidas gostosas e animadores.  Todas as crianças brincavam euforicamente e estavam deslumbradas com tantas novidades.  Qual não foi nossa surpresa quando vimos Sofia e Luíza sentadinhas no chão em um canto da quadra, entristecidas, observando apáticas o que acontecia.  Perguntamos à coordenadora o que faziam ali e ela nos respondeu que tinham acabado de ser devolvidas porque a família que iria adotá-las, disse que eram muito “custosas”.  Nosso mundo caiu.  Crianças não são mercadoria que se devolve quando não atendem as nossas expectativas.  Começamos a pesquisar sobre o assunto e descobrimos que a devolução equivale à morte psíquica da criança ou adolescente, e que mais de 40% das colocações em reintegração familiar ou famílias adotivas não eram bem-sucedidas.

Todo movimento social começa a partir de uma indignação e a nossa estava diante de nós, acompanhada da inadmissão dos longos períodos de acolhimento, onde as crianças cresciam sem uma família, e ao completar 18 anos, a porta da rua era a serventia da casa.  Se Deus é Pai dos Órfãos, se a verdadeira religião envolve cuidar do órfão, se fomos feitos filhos de Deus por meio da adoção, será que como Igreja não poderíamos fazer mais para que crianças vivessem em família para sempre? Famílias que cuidam, nutrem, protegem e potencializam o seu desenvolvimento integral.  Assim, diante destas convicções e incômodos, no dia 21 de junho de 2012 nos reunimos entre 11 amigos irmãos e então nasceu oficialmente a Pontes de Amor.  Em outubro, após a construção de sua identidade institucional e da construção de parcerias com a Rede de Garantia de Direitos da Infância e Juventude, aconteceu o nosso coquetel de lançamento na sede da Igreja Cristã Sal da Terra do Karaíba, e demos início às nossas atividades públicas.

Nosso plano era promover reuniões mensais entre os que queriam adotar, os que já tinham adotado e os interessados no tema.  Teríamos um facilitador e ofereceríamos um espaço de orientação, aprendizado, comunhão e troca de experiências.  Contudo, a demanda era muito grande, e os que queriam se envolver com a causa do órfão e vulnerável na nossa cidade também.  Em poucos meses estávamos com dez projetos desenvolvidos por cerca de 80 voluntários.  Compreendemos que para cooperar com que crianças e adolescentes vivessem em famílias seguras e para sempre, precisaríamos atuar em três eixos:  No desenvolvimento das crianças e adolescentes acolhidos, na preparação e suporte das famílias adotivas ou reintegradas, e na formação continuada dos profissionais do Sistema de Garantia de Direitos das Crianças e Adolescentes: juízes, promotores de justiça, defensores públicos, advogados, psicólogos, assistentes sociais, conselheiros tutelares, conselheiros de direito, profissionais do acolhimento institucional e familiar, dentre outros.

Enquanto Ministério Sal da Terra o cuidado pelas crianças e adolescentes vulneráveis começou lá no final da década de 80 quando assumimos o Patronato de meninos em Uberlândia.  Na mesma época várias casas pastorais geraram filhos por adoção.  Sem dúvidas Deus nos chamava para sermos a manifestação tangível da sua paternidade.

Tão logo constituímos a Pontes de Amor, nos associamos à ANGAAD – Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, que agrega 210 Organizações que atuam juntas há 26 anos promovendo novas práticas, leis e políticas públicas.  Em 2015 participamos pela primeira vez do Summit da Christian Alliance for Orphans (Aliança Cristã pelo Órfão), uma aliança  norte-americana que reúne centenas de organizações que atuam nos EUA e em outros países cooperando com o desenvolvimento e encorajamento das mesmas e promovendo ações conjuntas.  Logo fomos convidados a participar das iniciativas do CAFO como representantes do Brasil e a trazer o Orphan Sunday, movimento internacional de oração e mobilização em prol do órfão e vulnerável, para o Brasil.  O engajamento de quase 200 igrejas brasileiras já no primeiro ano chamou a atenção do mundo, e fomos convidados em 2016 a sermos os delegados brasileiros no Primeiro Fórum Global do movimento cristão World Without Orphans – WWO (Mundo sem Órfãos) na Tailândia e a compartilhar sobre o impacto, os princípios e as tecnologias sociais que a Igreja Brasileira estava utilizando para a transformação social de suas crianças.  Desde então temos cooperado com representantes nacionais de mais de 90 países.  Iniciamos em parceria com outros ministérios o WWO Brasil, com o objetivo de engajar a Igreja Brasileira, o governo e a sociedade em ações, projetos e programas voltados à erradicação da orfandade.  Lembra da ANGAAD? Deus nos colocou na diretoria desta associação nacional, que foi presidida por nós por quatro anos, trazendo visibilidade e reconhecimento nacional da relevância e boas práticas desenvolvidas.  Desenvolvemos relações com o Governo Nacional, o Sistema Nacional de Justiça, vários Tribunais e Procuradorias Estaduais, sempre compartilhando dos princípios e valores que nos movem, favorecendo a formação dos profissionais, promovendo reflexões e melhorias nas práticas sociais.

Se fosse por apenas um já valeria a pena, mas são muitas histórias que estão diante de nós.

Nossas relações internacionais nos colocaram lado a lado com alguns dos maiores institutos de pesquisa e treinamento de metodologias e abordagens para o desenvolvimento de crianças e adolescentes que viveram graves situações traumáticas.  Assim, temos trazido em primeira mão para o Brasil, abordagens eficazes, treinamentos internacionais, e recentemente, além dos treinamentos presenciais e on-line, a Pontes de Amor lançou em seu site a plataforma de Educação à Distância “Criança em Foco”.

Durante a pandemia, devido à necessidade de afastamento social, não podíamos mais ministrar o curso preparatório para adoção presencialmente.  Este curso é uma exigência legal a todos os que se habilitam para adotar.  Do limão fizemos uma limonada:  Firmamos uma parceria com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais e a Escola Judicial Edésio Fernandes, e montamos juntos, o mesmo curso que a Pontes aplica em Uberlândia no formato EAD (Educação a distância).  Com isso, nosso curso ficou disponível para todo o território nacional e mais de 6.000 pessoas já o acessaram.  Pequenas comarcas, que não conseguiam habilitar seus adotantes porque não tinham estrutura para dar o curso, agora podem dispor desta facilidade.

Este ano, completando dez anos de existência, a Pontes de Amor celebra as inúmeras oportunidades de servirmos às crianças e cooperarmos para a transformação da história de tantas delas.  Já realizamos mais de 56.700 atendimentos jurídicos, sociais, psicológicos e psicopedagógicos; impactamos diretamente a vida de mais de 7.900 pessoas, já oferecemos mais de 3.300 horas de palestras e treinamentos, e cooperamos com o encontro e o acompanhamento de mais de 500 famílias e seus filhos.  Quando Deus compartilha um sonho com seus filhos e cumprimos o “Eis-me aqui, envia-me a mim”, não temos ideia do que Ele faz a partir das sementes que o Pai planta em nós e coloca nas nossas mãos.  Sabemos que tudo isso só tem sido possível porque nasceu no coração de Deus, é abraçado por tantos de nós que constroem estas histórias por meio de suas orações, ofertas, voluntariado e obediência.